12 de ago. de 2007

O reino da Alma (de Alma Welt)

(144)

Entre Rosário e Livramento
O reino desta Alma pampiana
Se estende muito além da Taprobana*
Onde o Preste João perdeu o jumento*,

Em meio às Bem-Aventuradas Ilhas*
Que no mar da pradaria são coxilhas
A terra de Cocaygne* ainda espera
Os aventureiros de outra Era*;

E o velho Cronos parado continua*
Na planície do Letes, vaga-mente*
Em que Ananke ainda conduz sua charrua*

Em torno ao casarão meio adernado
Que afunda comigo lentamente
Como insensata nau em meio ao prado...*

15/01/2007

Notas da editora:

Tive a grata surpresa de encontrar este soneto desconhecido, inédito, de minha irmã, pois não tinha sido publicado no Recanto onde ela fora postando dia a dia no seu último mês, a sua gloriosa série dos "150 Sonetos Pampianos". Encontrei esta folha em meio aos seus papéis como se ela o considerasse demasiado obscuro ou "iniciático" para ser dado a público. Resolvi então publicá-lo, pelo notável que é, com a ajuda de suas anotações e bibliografia, decifrando-o nestas notas.

*Muito além da Taprobana"- Citação do quarto verso da primeira estrofe ds Lusíadas de Camões que se refere a um limite náutico, depois desaparecido, onde começava a terra das Índias Orientais.

* Onde o Preste João perdeu o jumento" - Expressão criada por Alma, equivalente a "onde o Judas perdeu as botas", isto é, um pago ermo "no fim do mundo". O Preste João era um poderoso e riquíssimo rei cristão, mítico, que os navegadores da Renascença acreditavam reinar nas Índias Orientais ou na China, terras praticamente desconhecidas dos europeus (a não ser pelo veneziano Marco Polo cujas narrativas corroboravam esses mitos) e almejadas pelos aventureiros ávidos de riquezas.

* às Bem-Aventuradas Ilhas" - As Ilhas Bem-Aventuradas, era terras onde o tempo não existia e a juventude e a felicidade eram eternas, reservadas para os heróis da antiga Grécia, da Idade de Ouro.

*...terra de Cocaygne" - Outro mito ou utopia da Renascença, terra encontrada por acaso e novamente perdida por navegadores, espécie de paraíso terrestre onde a vida era fácil e os alimentos eram colhidos nas árvores, inclusive os frangos e os leitões assados (risos). (Vide o quadro homônimo de Pieter Bruegel).

* O velho Cronos parado continua" - Com esse verso Alma quis dizer que o tempo continua parado nesta porção do pampa, onde se encontra a nossa estância, o que até certo ponto é verdade, embora Alma e eu tenhamos descoberto o computador e os sites literários que nos permitem publicar instantaneamente o nosso pensamento e ouvir a opinião dos leitores.

* ..."a planície do Letes, vaga-mente" - Descrita por Platão, no chamado "Mito de Er, o Armênio", no final da República, esse mito órfico, se refere a planície onde corre o rio Letes, o "rio do esquecimento" (dele deriva a paravra letal, e letargia, sono letárgico) e onde as almas que o atravessavam em cortejo guiadas por hierofantes, eram obrigadas a beber apagando ("vaga-mente") assim a memória de sua vida (encarnação) passada.
Nessa planície se encontrava a coluna de luz ligando o céu e a terra, onde girava o fuso do destino humano, nos joelhos de Ananke, a Necessidade. Esse mito de profundo esoterismo, confirma a hipótese de que Platão era um órfico tardio, isto é, um iniciado do Orfismo, quer dizer, da doutrina órfico-pitagórica, ligada aos Mistérios de Elêusis, e cuja origem era anterior ao século VII AC.

No prefácio de Victor Hugo ao seu romance "Os Trabalhadotes do Mar, ele começa dizendo: "Tríplice ananque pesa sobre nós) ... "são três necessidades suas"... (o homem) precisa comer daí a charrua(arado) e o navio) (símbolos do "ananque das coisas", a luta pela sobrevivência material). "Nasce deles (desses ananques) a misteriosa dificuldade da vida." (Victor Hugo)

"... insensata nau em meio ao prado"- Alma compara o casarão à "nau dos insensatos", um grande barco ou navio de madeira, onde na Idade Média eram colocados os loucos para segregá-los do convívio dos "sãos" das aldeias e dos campos, e que ficava descendo o rio à deriva, até afundar pelo caos reinante a bordo, já que o capitão era escolhido entre os loucos, tal como na nossa sociedade. (Lucia Welt)

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