3 de fev. de 2008

CANÇÕES DA LUA (de Alma Welt)

Lua de Yupanqui (de Alma Welt)


(Surpresa e encantada encontrei este lindo poema inédito da Alma em sua arca, no nosso sótão. Já me parece uma canção, pois canta desde já pedindo ser musicada. Conclamo aqui o querido João Roquer (da banda Risses) a fazê-lo. João, porás melodia nesta canção? Tu a cantarás? Te peço... (Lucia Welt)

(1)

Também a ti cantarei
pois cantar, lua, não manque
quem te pudera cantar
depois do "gáltcho" Yupanqui*
quem te soubera encontrar
em meio a névoas de sangue
de tanto tanto buscar
em caminhadas de mangue,
as tuas sendas no ar

Lua dos amantes cegos
e dos tais impenitentes
que não te podem mirar,
Dos incautos, dos valentes
que se dispõem a sonhar

Lua lua aqui me vês
perdida como uma rês
que a si se quis apartar

Leva-me em tua barca
não me deixe aqui restar
esquecida de tua arca
de par em par, no afã
de teu lento naufragar,

Que sou pequena, sou órfã,
também já não tenho lar...

(Alma Welt)

Nota de editora

*Yupanqui- Atahualpa Yupanqui, grande compositor argentino, célebre, da província de Tucumán, autor de inúmeras canções imortais como a celebrada Luna Tucumana, que se tornou praticamente folklórica, uma das canções pampianas mais amadas pelos argentinos. Alma adorava essa música e a cantava lindamente acompanhando-se ao violão. A voz de Alma era belíssima, indescritível, e sua pronúncia castelhana, perfeita. Ainda a ouço na memória, e choro ao me lembrar... (Lucia Welt)

Para ouvir a canção Luna Tucumana, em belíssima interpretação:

http://br.youtube.com/watch?v=WXdoZyciqNQ

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O acordo (de Alma Welt)

Encontrei, maravilhada, uma série característica de poemas da Alma dispersos no meio de sua vasta obra na arca de nosso sótão, que alinhavados formam o que passarei a chamar "Canções da Lua". O querido João Roquer, da banda Risses, já prometeu musicá-los.(Lucia Welt)


O acordo (de Alma Welt)

(2)
Por estes prados de mar
Me avistaste num clarão
Em meu louco navegar
Me olhavas do teu balcão

Não te cansas de chamar
Qual se ainda fosse tua
E não vagasse no ar
E não estivesse nua

Mas o quê sabes de mim
Na minha eterna aventura?
Vou atrás da minha lua
Nada podes com algo assim

Lembra do acordo, não jura,
Feito no nosso jardim...


08/11/2006

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Lua de "ménage" (de Alma Welt )


(3)

Pelos prados de coxilhas
me verás cantar à lua
qual fosse senda noturna
do meu jardim, pelas trilhas.

Que podes senão seguir-me
com teu fino violão
e tentares perseguir-me
na minha bela canção?

Seremos um sob a lua,
assim me poderás ter
se me provares saber
acompanhar, serei tua

Até deixarei tocar-me
sob seus claros lumes
para à lua fazer charme
e provocar-lhe ciúmes

........................

Seremos um sob a lua
assim me poderás ter
se me provares saber
acompanhar, serei tua...



(sem data)


Nota da editora:

O fato de de Alma ter repetido a penúltima quadra no final, como um refrão, confirma, a meu ver, a sua visão deste poema como uma canção para ser musicada mesmo. Musical como ela era, é uma lástima que ela não tenha tido tempo em sua vida para musicar seus próprios poemas e cantá-los. Mas onde estiver, creio que ficará satisfeita com as melodia que o jovem João Roquer, e a bela Lika, ambos da Banda Risses, estão colocando em seus poemas. João já prometeu musicar todas as "Canções da Lua" da Alma que lhe inspirarem melodias e harmonias.

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Canção da bela lunada (de Alma Welt)


(4)

Lua noturna amazona,
por quem me tomas minha lua?
Não sou chinoca de zona
por me veres assim nua.

Teimas em me desnudar
Ah! Como somos tão brancas!
Com o pálido nenúfar
a boiar-nos entre as ancas.

Se me deito como em parto
é porque sou tua amante.
Se permaneço em meu quarto
é por seres inconstante.

Lua, lua me acolha!
Não perguntes de onde veio
quem se entrega ao teu enleio.
Sou bela... não tive escolha.

Esta noite irei ao prado
e te abrirei o meu seio
para que seja encontrado
lunado, frio e alheio


Lua, lua me acolha!
Não perguntes de onde veio
quem se entrega ao teu enleio...


(sem data)
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Canção da noite de lua (de Alma Welt)


Mais uma "Canção de Lua" descoberta entre a imensa produção da Alma, ainda inédita, encontrada em sua arca... (Lucia Welt)

(5)

Pela campina anoitada
minha lua está a vagar
lançando apelos na estrada.

Te quero, lua, e irei
contigo esta noite deitar,
que já não tenho mais lei.

Me porei nua nos prados
pra me causares marés,
pra me lunar dos dois lados.

Branca como uma fada
me deitarei aos teus pés,
a ti serei consagrada.

E quando fores de dia
pro teu refúgio secreto,
me farei tua cotovia:

Voltarei cantando ao lar
contar ao irmão dileto
que longe fui namorar...

(sem data)

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Lua cigana (de Alma Welt)


(6)
Minha cigana vem vindo
no seu carroção da noite
buscar-me para um pernoite
que já me vejo fruindo.

Lua, lua cigana
começo a ouvir o teu canto
e ainda não sei o quanto
estás perto desta "hermana".

Voarei se me quiseres
nas asas do teu luar
por suas trilhas no ar
em campos de mal-me-queres.

E quando enfim começar
o fandango de rabecas
tuas ciganas sapecas
me verão também bailar.

(sem data)


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A alucinada ( das Canções da Lua, de Alma Welt)

(7)
Pelas margens do meu rio
irei nas noites de lua
entre o sonho e o delírio
por esta espécie de rua

que me leva a este nada
perfeito, noturno e claro
onde encontrarei a amada
e seu canto muito raro.

Lua, lua aí vem ela
envolta em tua aura
azulada que até gela
mas que tão logo restaura

a sua feição bonita
em risos de alucinada
que entre cantares grita
o seu amor, pela estrada

que me leva a esta amada
perfeita, noturna e clara...


(sem data)

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Teia lunar (de Alma Welt)

(8)

Pequena lua impassível
que de noite vens me olhar
com teu brilho impossível
de a ti mesma revelar

Que me dizes, o que quer
teu branco olho lunar?
Teu silêncio me requer
desfazer-me em meu tear?

Levanto-me branca e nua
no meu sonho recorrente
e vou andar pela rua
como uma pobre demente

Até retornar ao leito
vaga, sonada e lenta
trazendo uma flor no peito,
na boca um sabor de menta.

Sob os lençóis macios
me deito já desfrutada
como esses seres vadios
de tua louca noitada

E durmo com minhas mãos
que desfizeram a teia,
repousando entre os vãos
que o teu olhar incendeia.


(sem data)

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Vigílias pampeiras (de Alma Welt)


(9)
Quando cai a lua cheia
sobre alfombras de coxilhas
um canto de plena veia
percorre o Pampa por milhas

E vemos os fogos no chão
com as chaleiras que chiam
fervendo pro chimarrão
dos "gáltchos" que silenciam

para ouvir cantos de lua
ao som de foles gaudérios
com estórias de mistérios
de uma estranha prenda nua

que galopa em plena noite
com a ruiva cabeleira
como o rastro de um açoite
nessa vigília pampeira.

Já sabem usteds quem é
essa china impenitente
que chega a sorrir até
ouvindo o que diz a gente?

Voem cantos, chie o mate...
Olhar, comece a vigia!
Esta noite cante o vate
as façanhas da guria!

Que galopa em plena noite
com a ruiva cabeleira
como rastros de um açoite
na grande noite pampeira.

(sem data)


Nota da editora

Nos últimos tempos recrudeceu o hábito da Alma de sair tarde da noite cavalgando nua e em pelo a sua égua Miranda pelas pradarias até longe do casarão. Isso aumentou a sua lenda entre os peões aqui na nossa região.
Uma noite, Matilde, nossa cosinheira e sua ex-babá, que percebeu o que acontecia, conseguiu impedi-la amarrando-a na cama. Ela achava que Alma estava louca. Confesso que não a desamarrei e fiquei à sua cabeceira acalentando-a, até que cessou de se debater e adormeceu.


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Lua de seresta (de Alma Welt)


(10)

Seresteira irmã da Alma
que me fazes acordar
após um sono sem calma
que permitiu te escutar,

Lua, lua, só me resta
ir vagando ao teu encontro
para ouvir tua seresta
a que respondi de pronto.

Meu balcão é a varanda
sobre teu jardim lunado
recendendo à lavanda
do jasmineiro acordado

E logo assisto ao desfile
dos luzeiros encantados
dos pirilampos do Chile,
(que assim os quis rimados)

E então me ponho nua
pois não posso me esconder
do olhar-arco-de-pua
com que verrumas meu ser.

Depois deitada entre as flores
afasto meus brancos membros
para que vejas as cores
dos dias de teus setembros.

Mas, ai! comicha-me a gruta
um travesso vagalume
e fujo como uma truta
pro meu leito de costume.

Lua nova, aqui me deixes,
não me faças te buscar!
Teus cantos de rio e mar
alvoroçaram-me os peixes...


(sem data)
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Pelos Caminhos da Noite (de Alma Welt)

11

Pelos caminhos da noite
que já conheço tão bem
sem que tema nem me afoite
caminho como ninguém

O poema é meu guia
e a lua farol brilhante
Meu corpo é a cotovia
que por sua luz se adiante

Ah! minha lua faroleira
que giras sobre este mar
que só tem sua fronteira
se mil porteiras fechar

Navego por entre coxilhas
como as ondas desse mar
Ah! encantadas ilhas
do meu doido navegar!

Lua, lua me carregue
já começo a me alçar
Estou nua estou entregue
ao teu fio de enredar

és a aranha da noite
em tua teia estelar...




Leitos da lua (de Alma Welt)

(12)

Pelos pagos planos do meu pampa
Ia a lua vagando em vaga via,
Feitora das marés em sua rampa

Mas, ai! aí eu ia ao seu apelo,
Levitada de meu leito de guria
Para banhar-me à luz do seu desvelo

E, pura, pelos prados do prazer
Eu pulava por planura e pouco chão,
Já prestes a pelar pra a lua ver...

E foi assim que minha mãe, a Açoriana,
Depois de procurar-me, não em vão,
Notou-me nua em nívea névoa, ó lua hermana!


(sem data)


Notas da editora

Por curiosidade revelarei aqui dois tercetos que finalizariam o poema, mas que a Alma riscou, excluiu, pela sua extraordinária sabedoria técnica que sabia sempre quando um poema estava terminado, evitando o demasiado circunstancial:

"E me pegando pelo punho me puxou
Arrastando-me de volta ao casarão,
Brutalmente no banco me botou,

Onde, tímida, tremendo, torturada,
Fui resgatada por guri, sim, o irmão!
Que lívida levou-me e... fui amada."


Com esse curioso e encantador poema, cheio de aliterações, dou por terminada a minha pesquisa e alinhavo do que convencionei chamar Canções da Lua, da Alma. Naturalmente é possível que outros poemas da grande poetisa se encaixem nessa denominação ou gênero, e que eu ainda os descubra na incrível montanha de textos de minha irmã, em que estou embrenhada. Mas por ora, com estes doze podemos, eu e o querido João Roquer (da Banda Risses) pensar em musicar e criar um CD, para o qual já encomendei a capa e o encarte ao mestre Guilherme de Faria, que os amou. (Lucia Welt)

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Um comentário:

Anônimo disse...

UAAU!! Essa Alma é o máximo! Nunca li poetisa maior e mais intensa. Todos o poemas desse ciclo da lua são belíssimos, mas este último é transcendente e produz sensações visuais incríveis. Quando veremos isso em livro? Alma merece ter as suas Obras Completas. Parabéns Lucia, por sua dedicação e fidelidade à sua grande irmã. Wladimir Strozek