27 de ago. de 2007

Memórias do casarão (de Alma Welt)

(169)

De noite o velho casarão estala
E geme repleto de lembranças...
Então o imaginário se instala
Nos corações e cobra suas heranças

Que vêm de ainda antes dos avós
E remontam ao "gáutcho" Valentim
Que no comando fez ouvir a sua voz
E teve em si mesmo o seu motim.

No sotão sob a trave onde pendeu
Nenhuma marca no assoalho denuncia
Onde o banquinho rolando se abateu,

Mas o aroma do mate derramado
Quando a cuia tombou sob o enforcado,
Eu julguei sentir quando guria.

14/11/2006


Nota da editora:

Nosso avô Joachin Welt, agricultor alemão que veio para o Brasil em 1930, emigrado dos sudetos da Polônia, para o vale do Itajaí em Santa Catarina, tendo prosperado depois de décadas numa colônia agrícola, comprou a estância de uma família estancieira gaúcha de grande tradição mas arruinada por guerras, dívidas, dissipações. O dono, Valentim Ferro, homem de apenas 48 anos, desesperado e pressionado pelos credores de jogo, sem saída, vendeu a estância ao meu avô, com a família ainda dentro do casarão, e no dia seguinte à passagem da escritura, foi encontrado enforcado na trave do sotão. Estava todo ataviado a caráter, com as bombachas, bota e esporas, punhal de prata na cintura e boleadeira, lenço vermelho e chapéu na cabeça pendida. No chão, ao lado do banco tombado debaixo dos seus pés, estava caida a cuia e a bomba do chimarrão com o amargo esparramado, ainda fumegante quando meu avó por pressentimento subiu ao sótão. A família Ferro, viúva e filhos pequenos, depois do velório no salão, e o enterro no cemítério particular da própria estância, deixou a casa num carroção entulhado de lembranças pessoais. Minha avó Frida conta que viu uma guria de 10 anos, filha do casal, cerrar o punho e brandí-lo contra o casarão e os "boches" e teve certeza de que a criança lançara um anátema. Isto se espalhou e criou uma fama de maldição sobre a casa e a nova família. Não obstante pela imensa força de vontade de meu avó que plantou o vinhedo de seus sonhos, a estância que meu avô rebatisou com o nome de uma santa alemã, Santa Gertrudes, prosperou, mudando as suas caracteríticas tradicionais de criação de gado, produção de charque e mate, pela vinícola pioneira no pampa, e pelo estilo tradicional do lagar de uvas amassadas com os pés. Alma incluiu essa estória de maneira magnífica no seu romance autobiográfico A Herança. (Lucia Welt)

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