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Ser a musa eternizada do meu pampa!
Cantar, celebrar e endoidecer
De tanto amar até saltar a tampa
Do coração e da mente, e então morrer!
Nua, estranhamente, sobre a mesa
Estendida me vejo, uma manhã:
Um desfile silencioso me corteja
De peões, peonas e algum fã.
Mas olho o meu corpo de alabastro,
Absurdo e belo ali, e não à toa
Eu noto algo nele que destoa:
Sobre a alvura do pescoço bailarino
Uma faixa vermelha como um rastro
Da corda que selou o meu destino...
03/01/2007
Nota da editora:
Este soneto, a meu ver de espantosa beleza, contém a vidência do que iria acontecer poucas semanas depois, no dia 20, com o velório de Alma em circunstâncias idênticas às descritas no soneto.
Minha irmã foi encontrada afogada no poço da cascata, nua (seu vestido branco estava sobre a pedra chata), a um palmo da superfície, como que flutuando submersa, com uma corda no pescoço, ancorada por uma grande pedra no fundo do lago.
Rôdo gritou, mergulhou vestido, e retirando a corda subiu com ela e veio nadando, e urrando. Estendeu-a na prainha e tentou a respiração boca-a-boca. Era tarde. Automaticamente, Galdério (que sempre a tomava assim adormecida, para retirá-la da charrete quando guria) pegou-a nos braços e veio pela campina com o olhar perdido, ela nua em seus braços, pelo caminho entre um ou outro peão perplexo, entrou no casarão e depositou o corpo de Alma sobre a grande mesa do salão. A trágica notícia corria, peões e peonas, as trabalhadoras da vinha e suas filhas foram invadindo a sala. E começou aquele estranho desfile silencioso, numa reverência muda que era tanto pela morte como pela beleza daquele corpo alvíssimo, lívido, como uma estátua de alabastro ou do mais puro mármore de Carrara, a não ser pela marca avermelhada que a corda deixara em em seu lindo e longo pescoço de bailarina. Então Matilde entrou interrompendo essa verdadeira loucura coletiva, e cobriu-a com uma toalha de mesa, branca, de renda, gritando: "Cubram a minha guria! Afastem-se, seus ímpios, cubram a minha guria!"
Eis as circuntâncias espantosas, pois romanescas, da morte da nossa Poetisa.
Revendo-as ao longo destes meses, começamos a suspeitar que não tenha sido suicídio, o que não chega a ser consolo para a nós, pois a alternativa é igualmente trágica e violenta. Há dois meses um delegado da nossa região está procedendo investigações tardias, aqui na estância.
Resolvi contar o acontecido aqui no seu blog, pois acho que apesar de tudo, prefiro a segunda alternativa, não sei... Alma amava demasiado a vida para tirá-la de si, e com tal violência.
Outro absurdo, foi que, republicando cinco dias após a sua morte este soneto na página da Alma que encontrei com a senha salva num dos dois sites literários em que ela publicava, no meio de um imenso escândalo e discussão no Forum daquele site, tipo "Alma existe? Alma não existe?" (de 12.000 e tantas leituras, pulou para 14.000 e poucas)Alma foi expulsa cinco dias depois daquele site (513 textos apagados) e seu cadastro cancelado, por intriga de invejosos que levantaram (pasmem!) a suspeita de que ela não existia, de que era o heterônimo de alguém! Talvez porquê seu nome significa Alma do Mundo (Anima Mundi), o que ela verdadeiramente era, e é, como poeta e mulher maravilhosa. Ó pobres de espírito!
4 de jul. de 2007
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Um comentário:
Alma Welt é um caso raro na literatura brasileira, espantosamente bem escritas suas memórias levam-nos para um plano espiritual superior. Sua autobiografia está em tudo o que ela escreveu,seus contos, seus romances, seus poemas.
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